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ICO Consultoria

A análise de value for money em projetos de parceria: qual o melhor momento?

Limites e possibilidades para o controle


ISADORA COHEN

LUÍSA DUBOURCQ SANTANA

JÉSSICA LOYOLA CAETANO RIOS


Originalmente publicado no JOTA


Para a formatação e execução das políticas públicas a que se pretendem, os gestores públicos dispõem, ao menos em tese, de algumas alternativas de execução de obras ou prestação de serviços: por exemplo, a execução direta pela Administração Pública, a contratação através de procedimento licitatório comum, regido pela Lei nº 8.666/1993, a celebração de contrato de concessão ou parceria público-privada ou, ainda, uma combinação entre dois ou mais modelos.

O processo decisório da Administração quanto ao formato de viabilização dos projetos, assim, é complexo e demanda o sopesamento entre benefícios e desafios de cada alternativa para se encontrar aquela mais adequada para alcançar os fins a que se destina a atividade administrativa, além de assegurar a eficiência na aplicação dos recursos públicos.


O referido processo decisório da Administração Pública foi contemplado expressamente pelo legislador no art. 10 da Lei nº 11.079/2004, demandando do gestor que, antes da constituição de parcerias público-privadas, elabore estudo técnico que demonstre “a conveniência e a oportunidade da contratação”. De forma semelhante, o art. 5º da Lei nº 8.987/1995 prescreve que deverá o Concedente publicar ato, previamente ao edital de licitação, “justificando a conveniência da outorga de concessão ou permissão”.


Conquanto a legislação não adote tal terminologia, convencionou a doutrina nacional que o juízo de conveniência e oportunidade da contratação referido pelo legislador seria assemelhado ao estudo de Value for Money (“VfM”) realizado em outras jurisdições, demandando da Administração Pública que, previamente ao lançamento do edital de concessão ou parceria público-privada, avalie a pertinência do modelo concessório em detrimento de contratações públicas tradicionais, comumente pactuadas por meio da Lei nº 8.666/1993, ou mesmo em comparação com a prestação direta do serviço pelo Poder Público.


Sobre esse tema, contudo, pairam mais dúvidas que certezas, uma vez que não há elementos objetivos de comparação que possam ser previamente definidos para que a Administração Pública sopese ganhos e perdas entre modelos contratuais tão distintos e, sobretudo, para que os Tribunais de Contas avaliem, no âmbito de sua competência, se a escolha tomada pelo gestor público atendeu aos parâmetros de legalidade e economicidade que norteiam a atividade de controle.

É excelente que a Administração Pública se valha de processo fundamentado de escolha para a viabilização de um projeto ou a disponibilização de determinado serviço público à população. Mas como concretizar este procedimento, estabelecendo critérios para embasar a decisão do gestor público? A primeira problemática decorrente da imposição legal de análise de Value for Money prévia à celebração de parcerias público-privadas deriva da inexistência de metodologias capazes de conferir clareza e previsibilidade ao mecanismo de escolha. Esta abordagem a ser realizada deve guardar caráter quantitativo, precificando gastos e benefícios em cada modelagem contratual, ou caráter qualitativo, valorando de forma mais subjetiva as perdas e ganhos de cada estrutura?


E mais: se não há critérios bem delimitados para que o gestor público decida, como pode pretender o controlador aferir a licitude ou ilicitude da conduta, considerando que a atividade de controle encerra juízo de conformidade em face de regras previamente estatuídas? Os conceitos de “conveniência e oportunidade”, no direito brasileiro, são intrinsecamente associados ao mérito administrativo, ao juízo discricionário do gestor e que, como tal, não pode ser simplesmente substituído pelo juízo do controlador. São problemáticas que, infelizmente, a prática nacional ainda não foi capaz de superar.


No entanto, a despeito de alguns esforços destinados à uniformização do procedimento e dos critérios a adotar no planejamento de projetos de infraestrutura, e não obstante a previsão do artigo 10, I, “a”, da Lei de PPPs seja frequentemente associada à metodologia do Value for Money, o fato é que não há exigência legal específica no Brasil a respeito da metodologia aplicável e tampouco critérios relativamente padronizados para tanto.


Sem embargo do ainda necessário amadurecimento do Value for Money na gestão pública brasileira, contudo, os Tribunais de Contas vêm enxergando tais estudos como definidores para o sucesso ou fracasso de concessões. Como conferir, portanto, parâmetros razoáveis para que a fiscalização exercida pelas cortes de contas não se revista de profunda subjetividade, encerrando verdadeira quebra de braço entre a palavra do gestor e a palavra do controlador?


Não é demais repisar que o controle detém caráter instrumental e pressupõe a existência de limites previamente estabelecidos para aquele que é controlado, sob pena de se tornar arbitrário ou autoritário. A compreensão é importante na medida em que o controle dos estudos de vantajosidade das contratações públicas pelos tribunais de contas não deve escapar aos limites do que prescreve a legislação – a justificativa das razões para a escolha do modelo – e nem tampouco pode ocorrer de forma desvinculada de parâmetros minimamente estabelecidos, para não incorrer em subjetividade excessiva e acabar por substituir a palavra do administrador pela do controlador público.

O caráter multidisciplinar do controle exercido pelos Tribunais de Contas é positivo, tornando-o mais completo e efetivo, já que a Administração Pública não se vale apenas de critérios jurídicos na definição de políticas públicas, mas também de critérios sociais, econômicos e políticos.


No entanto, esta amplitude da atividade controladora não pode se descuidar de seu objetivo central: aferir o desempenho do ente público sem burocratizar a atividade administrativa, de sorte que o foco do controle das concessões e PPPs pelas cortes de contas não deve ser a simples existência ou inexistência de um estudo de VfM prévio à celebração do contrato administrativo, ou mesmo se este observou premissas fixadas pelo controlador (já que a lei não as traz), mas unicamente a utilidade de se identificar a melhor modelagem contratual para o atingimento dos fins a que se propõe a Administração com a política pública em referência.

Em outras palavras, assim como o controle, o VfM não existe como um fim em si mesmo, mas apenas enquanto instrumento para aferir a vantajosidade do meio escolhido para a concretização da política pública.

Ainda no que toca aos limites do controle dos estudos de Value for Money, é importante pontuar que a atuação dos tribunais de contas também se vale de critérios de economicidade, aferindo eventual abuso ou gasto indevido e injustificado de recursos pelo gestor público.


No entanto, não se deve compreender as concessões e parcerias público-privadas como legítimas apenas se mais baratas que outras modalidades de contratação, uma vez que é preciso partir de parâmetros comparáveis entre si para se aferir a economicidade de determinado contrato administrativo.


A título exemplificativo, portanto, tem-se que uma parceria público-privada pode ser mais custosa aos cofres públicos que a prestação direta do serviço e mesmo assim ser considerada vantajosa à luz dos estudos de VfM, em razão da disponibilização de uma infraestrutura mais robusta que aquela atualmente existente, ou simplesmente porque a Administração Pública não dispõe dos recursos financeiros e humanos para fazê-lo diretamente.


Isso quer dizer que a comparação apenas é possível se partir de premissas iguais para todos os cenários comparáveis, o que remete à dificuldade já apontada para o Value for Money nas contratações públicas brasileiras: a inexistência de uma metodologia clara de cotejo entre as modelagens contratuais possíveis, dada as grandes distinções entre as formas de prestação de um mesmo serviço ou os modos de utilização de um mesmo bem pela Administração Pública.

A grande problemática concernente à análise de verificação do mérito dos projetos de concessão e PPP no país – ao lado da inviabilidade jurídica de que Poder Judiciário e cortes de contas adentrem no mérito do juízo de conveniência e oportunidade da contratação propriamente dito – é, assim, a ausência de parâmetros e dados uniformes (além das metodologias em si) para se comparar a modelagem escolhida com os contrafactuais das demais opções de delegação ou prestação direta do serviço. Disso decorre, além de uma grave insegurança jurídica que pode até mesmo tolher a liberdade e a criatividade dos gestores públicos, uma falta de transparência e previsibilidade no processo de controle, que acaba por se basear meramente em critérios muito pouco objetivos.

Não obstante, a prática evidencia que algumas cortes de contas têm se valido de supostas incongruências em estudos de Value for Money para promover recomendações ou determinações à Administração Pública em processos concessórios específicos.


Exemplo disto é a recente determinação do Tribunal de Contas do Município de São Paulo, nos autos do TC nº 10284/2020, instaurado para o acompanhamento do processo de concorrência para a concessão de uso do Edifício Martinelli.

Foi suspenso cautelarmente o certame em razão de, entre outros aspectos, não terem sido “justificados os ganhos de eficiência com a concessão, pela ausência da análise do Value for Money, a fim de comparar os resultados esperados no modelo de concessão adotado com a operação sendo executada pelo Poder Concedente”.


Entendeu a Corte, naquele caso, que o Concedente não poderia ter comparado os benefícios e despesas da concessão com a utilização do bem para fins diversos, devendo comparar um mesmo uso, empreendido de forma direta pela Administração ou indireta pelo particular.


É curiosa a conclusão a que chegou a Corte de Contas paulistana, porque, ao tempo em que concluiu que a análise de VfM deveria ter se dado comparando uma mesma utilização do bem, desconsiderou que nem sempre a prestação direta do serviço é viável, por razões de indisponibilidade financeira, de pessoal ou mesmo jurídica da Administração Pública. Isto é, desconsiderou a comparação entre duas alternativas viáveis e exigiu a comparação de uma alternativa viável com outra já sabidamente inviável.


No caso específico, seria quase como determinar que o “cenário base” levado em consideração fosse a Administração instalar equipamentos gastronômicos, realizar das atividades gastronômicas correlatas, bem como eventos e demais explorações que – teoricamente – gerariam receitas exploradas e auferidas diretamente pela Administração Pública. A alternativa parece quase absurda. Embora o equipamento público em questão tenha valor histórico, turístico e arquitetônico inquestionável, as receitas projetadas dizem respeito a uma exploração do ativo que não seria, em qualquer hipótese, realizada pela Administração.


Uma reflexão para posterior aprofundamento: parece-nos que um modelo de comparação de alternativas contratuais, prévio à celebração do contrato, não terá o condão de assegurar o sucesso do empreendimento na prática. Desse modo, apenas no curso da execução contratual, observada a realidade fática do projeto, é que se pode julgar por sua vantajosidade ou não para a Administração Pública (sem dispensar, claro, o dever de motivação e as análises que foram levadas em consideração para o momento e o processo de tomada de decisão).


Mais efetivo do que se exigir um detalhado estudo de VfM antes da contratação de concessão ou parceria, portanto, seria interessante a instituição de critérios (pelo legislador, eventualmente detalhados pelos tribunais de contas) para que, no curso da execução da avença, se verifique se os resultados esperados estão sendo alcançados e se estão satisfatórios em face de outras possíveis alternativas.

Nesse cenário, seria possível ao contrato administrativo prever determinados gatilhos para o desfazimento do negócio – assegurado o pagamento de indenizações por investimentos não amortizados, claro! E, até mesmo, um retorno (pelo custo de oportunidade) – caso a performance esperada não seja atingida.

Uma análise de VfM apenas em tese, sem que o contrato tenha tido a chance de perfomar, não é capaz de atingir o objetivo pretendido pelas cortes de contas – assegurar a vantajosidade da parceria –, uma vez que apenas no curso da execução do projeto é que se consegue aferir o seu real potencial.


Assim, a vantajosidade do projeto deve ser objeto de constante análise, desde que pautada por critérios previsíveis, razoáveis e minimamente objetivos, tanto pelos gestores públicos e titulares do serviço público concedido, quanto pelos órgãos de controle externo. Os contratos de longo prazo como as concessões e PPPs têm em si o atributo da flexibilidade, demandando o seu constante acompanhamento e transformação para manter-se vantajoso, adequado e propiciando benefícios ao cidadão usuário.


 

ISADORA COHEN – Fundadora Infracast. Presidente Infra Women Brazil. Sócia ICO-Consultoria. Professora do MBA de PPPs e Concessões da PUC MINAS e do MBA LSE FESP.


LUÍSA DUBOURCQ SANTANA – Especialista em Direito Administrativo e mestre em Direito do Estado e Regulação pela Universidade Federal de Pernambuco. LLM em Regulação e Infraestrutura pela Universidade Católica de Pernambuco (em curso). Advogada.


JÉSSICA LOYOLA CAETANO RIOS – Graduada em Direito pela UnB. LLM em International Dispute Resolution pela Queen Mary University of London. Advogada em Piquet, Magaldi e Guedes Advogados.

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