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Como agências reguladoras infranacionais devem acompanhar universalização?

Amadurecimento regulatório é ainda mais necessário enquanto o Brasil corre para atrair investimentos no setor
Por: Isadora Cohen, Thiago Nepomuceno Carvalho. Publicado originalmente no JOTA

As normas de referência editadas pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) necessitam de regulamentação pelas entidades reguladoras infranacionais a fim de possibilitar os investimentos necessários à universalização dos serviços. E isso é urgente!


O novo Marco Legal do Saneamento (publicado em 2020) estabeleceu como objetivos da regulação a garantia do cumprimento das condições e metas estabelecidas nos contratos de prestação de serviços e nos planos de saneamento básico. Este objetivo, se analisado de forma sistêmica, delega às entidades reguladoras infranacionais (ERIs) a competência para fiscalizar os serviços de saneamento, com vistas à universalização.


Um dos principais mecanismos de controle é a comprovação da capacidade econômico-financeira dos prestadores de serviços. Esta análise, realizada pelas agências reguladoras infranacionais inicialmente em 2022 por força do Decreto 10.710/2021 e novamente em 2024, nos termos do Decreto 11.598/2023, mensura a habilidade dos prestadores em viabilizar os investimentos necessários à universalização dos serviços em tempo hábil até 2033.


Os resultados desta análise foram recentemente sintetizados e divulgados pelo estudo Avanços do Novo Marco Legal do Saneamento Básico no Brasil 2024 (SNIS 2022), elaborado pelo Instituto Trata Brasil em parceria com a GO Associados.


O estudo indicou resultados preocupantes: quase 10 milhões de pessoas vivem nos 579 municípios servidos por operadores de saneamento que não conseguem comprovar capacidade econômico-financeira para atingir as metas de universalização em tempo hábil. Essa população é hoje servida por operadoras estatais, localizadas, em sua maioria, nas regiões Norte e Nordeste do país. Nestes mais de 500 municípios, apenas 68,88% dos habitantes têm acesso à água e somente 26,61% são atendidos com coleta de esgoto. E mais: menos de 30% do esgoto gerado é tratado naquelas localidades.


O índice de perdas constatado chama muito a atenção. Quase 50% da água potável nos sistemas de distribuição são perdidos nos municípios destacados. É muita coisa. Estes municípios têm agora o desafio de adotar medidas para a regularização da prestação dos serviços. A melhor alternativa parece ser a delegação dos serviços a prestadores privados e a promoção da regulação e fiscalização por entidade adequada para conduzir tais atividades.

O que são entidades adequadas nesse contexto? Aquelas que atendam algumas recomendações levantadas pela ANA. Duas normas de referência são fundamentais para nortear as ações das agências reguladoras visando garantir a universalização dos serviços: NR 6/2024 e NR 8/2024.


A primeira dispõe sobre os modelos de regulação tarifária dos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário. Já a segunda estabeleceu as referências a serem observadas na elaboração de atos normativos e na tomada de decisões para o atingimento das metas de universalização.


A ANA se preocupou em trazer segurança jurídica para os projetos regulados e fiscalizados pelas ERIs. Há orientações importantes sobre temas que impactam as tarifas e sobre a previsibilidade de eventuais alterações dos regimes tarifários. É por isso, também, que a primeira NR favorece, também, a financiabilidade dos projetos e a estruturação do capital que será necessário para fazer frente à demanda de investimentos no setor.


A segunda norma categoriza quatro indicadores que serão utilizados para aferir os índices de cobertura dos serviços a serem prestados (pelas operadoras públicas ou privadas). Ainda, confere diretrizes para o cálculo e a mensuração de cada um desses indicadores pelas ERIs.


As normas de referência da ANA, como o próprio nome diz, são bases inspiracionais e desejáveis para organizar temáticas importantes atração e aplicação de investimentos no setor de saneamento. Mas não são definitivas ou taxativas, de forma que as próprias ERIs devem editar soluções alternativas que se adequem melhor aos cenários específicos dos contratos regulados por cada uma delas.


O que desperta preocupação é que, desde a edição da Agenda Regulatória 2022-2024 da ANA, pouco se viu de mudanças regulatórias no âmbito das demais agências subnacionais. E o parâmetro que vem sendo estabelecido pela ANA reflete, em grande medida, boas práticas que são, inclusive, aceitas pelos operadores do setor (que participam de sua elaboração, por meio das consultas públicas realizadas pela ANA).


Os riscos, então, são (i) de uma regulação descoordenada e que não observe as boas práticas delineadas e aceitas pelo mercado; e (ii) que não haja tempo hábil para realização de normativas adequadas às particularidades de cada contexto; e, ao fim e ao cabo, (iii) que tudo isso contribua para uma insegurança para atração e aplicação do grande contingente de capital que é necessário para a universalização dos serviços.


A premissa de trazer a ANA como referência já levava em consideração a dificuldade de aprimorar o panorama regulatório do saneamento. São mais de 80 agências subnacionais. A baixa “adesão” e “adaptação qualificada” das normas de referência têm comprovado essa hipótese.


Para além da edição das normas de referência, a ANA deve também verificar periodicamente a situação de cumprimento pelas ERIs. Esse exame feito pela ANA sobre a adoção das normas adequadas em âmbito subnacional será condição no momento da contratação dos financiamentos com recursos da União ou com recursos geridos ou operados por órgãos ou entidades da administração pública federal.


O amadurecimento regulatório passa a ser ainda mais urgente e necessário em um cenário em que o Brasil tem corrido para atrair os investimentos para o setor. Como país, estamos fazendo a lição de casa de estruturação de bons projetos de concessão Brasil afora (Rio de Janeiro, Alagoas, Ceará, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul e, mais recentemente, São Paulo e Sergipe - e outros tantos Estados – tem dado bons exemplos sobre isso). Então a atração dos recursos foi relativamente bem sucedida.


Agora, entretanto, deveremos provar nosso esforço com práticas mais adequadas para o momento da gestão desses novos contratos (e dos contratos antigos também, é claro). É nessa fase que os incentivos regulatórios devem estar a serviço da boa aplicação do capital necessário para a universalização. O prazo para isso é exíguo. E a insegurança jurídica prejudica a aplicação dos urgentes investimentos.

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