A plataforma da Secretaria Especial de Produtividade e Competitividade pode contribuir para a formação de concessões regionalizadas? O que vem a seguir?
Isadora Chansky Cohen
Luísa Dubourcq Santana
Felipe Gurman Schwartz
Caio Riccioppo Azevedo
Publicado no JOTA
Em dezembro de 2022, a Secretaria Especial de Produtividade e Competitividade do Ministério da Economia lançou uma plataforma que visa auxiliar na modelagem de projetos de concessão dos serviços de resíduos sólidos por meio da realização de análises de pré-viabilidade econômico-financeira.
A ferramenta não é inovadora somente em razão de conferir instrumentos para apoio à estruturação de potenciais concessões de resíduos sólidos, mas também por viabilizar a formatação de estruturas de projetos regionalizados. Esse tema, precisamente, é um dos principais pontos de discussão que continua sendo foco de debates desde a publicação do Novo Marco Legal do Saneamento (em 2020).
A plataforma divide os municípios de acordo com as respectivas regiões e, caso existentes, com os correspondentes consórcios intermunicipais. O interessante é notar que essa ferramenta traz uma base econômico-financeira para se pensar arranjos regionalizados de concessões à iniciativa privada.
A plataforma agrupa municípios de acordo com regiões e oferece “sugestões” para a viabilização de projetos que, se fossem feitos isoladamente por apenas um único município, seriam de difícil viabilidade econômico-financeira[1].
Sobretudo em médias e pequenas cidades[2], há um enorme desafio de encontrar modelos que confiram atratividade para o investidor privado. Na plataforma, é possível verificar eventuais sinergias para a conformação desses “blocos de municípios” para viabilizar projetos mais sustentáveis do ponto de vista econômico-financeiro.
A plataforma cataloga informações técnicas; ex: rotas tecnológicas disponíveis, existência de estruturas de transbordo, quantidade de lixo gerado pelos municípios e até mesmo CAPEX e OPEX.
São trazidos, também, dados macroeconômicos e sociais de cada município e de cada região catalogados. A plataforma disponibiliza informações de população, PIB, questões geográficas e externalidades positivas potencialmente geradas por um projeto de concessão regionalizada de resíduos.
A iniciativa de criar essa plataforma foi importante. Entretanto, uma das grandes discussões sobre a regionalização e sobre as concessões é, justamente, que os incentivos dependem da atuação coordenada dos agentes públicos para uma mudança efetiva.
Mesmo nos últimos dois anos foi difícil encontrar o cenário ideal para a regionalização e, por parte do Governo Federal, havia grande vontade política de consolidar todas as diretrizes do Novo Marco (dentre elas a regionalização).
Nesse contexto, houve, por exemplo, dificuldade na criação das unidades regionais pelos Estados - a ponto de a União ter criado, por fim, o primeiro Bloco Regional em Minas Gerais.
Para o cenário dos resíduos - ao contrário do que aconteceu com os projetos de água e esgoto (como os do Rio de Janeiro, Alagoas, Amapá, Ceará, Rio Grande do Sul) - quase não foram estruturadas e promovidas concessões e PPPs para agrupamentos de municípios[3].
Claro que se reconhece que há desafios importantes que precisam ser enfrentados nas modelagens de projetos de concessão regionalizada. Mesmo com o avanço da Planilha lançada pela Secretaria Especial de Produtividade e Competitividade, sucesso de regionalização e das concessões ainda vão depender dos arranjos públicos e dos diálogos interfederativos.
Ainda que a plataforma traga um caminho, temas como "estruturas tarifárias” - incluindo as tarifas sociais; "subsídios cruzados” entre municípios agrupados e “divisão de outorgas[4]” (ou, até mesmo, divisão da conta nos casos das PPPs) deverão ser pauta de ajustes entre os municípios antes do lançamento de concessões regionalizadas. E precisamos levar em conta que muitos municípios - a grande maioria - não pratica tarifas para os serviços de resíduos sólidos atualmente prestados em cada localidade. Há um ônus político envolvido na criação dessas cobranças.
E para somar ainda mais desafios ao nosso contexto, vale observar que desde a entrada do novo Governo, o Marco do Saneamento tem sido alvo de diversas discussões e propostas de alterações que podem, eventualmente, descaracterizar potenciais avanços no setor.
A despeito de ser promissora, até que a “casa seja arrumada” no Governo Federal, não saberemos se e como a plataforma lançada pela Secretaria do antigo Ministério da Economia será utilizada.
Mas tem uma notícia que traz esperança para os projetos regionalizados de resíduos. Nos primeiros meses do ano de 2023, a Caixa lançou credenciamento de municípios e de consultores para estruturar projetos de concessões para o setor de resíduos. Tomara que seja uma boa sinalização de que, também para esse setor, esses projetos vão prosperar.
[1] A prestação regionalizada, incentivada pela ferramenta, coaduna com os estímulos do novo Marco Legal, que reconhece que, para muitos casos, a regionalização da concessão dos serviços públicos é preferível, para garantir ganhos de escala e assegurar a universalização e a viabilidade técnica e econômico-financeira dos serviços (art. 2°, inciso XIV). Não custa lembrar, ainda, que entre as diretrizes nacionais para o saneamento básico está a promoção da regionalização dos serviços, com vistas à geração de ganhos de escala, por meio do apoio à formação dos blocos de referência e à obtenção da sustentabilidade econômica financeira destes. [2] Um estudo da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon) identificou que ao menos 1.117 municípios - a grande maioria com menos de 200 mil habitantes - estão irregulares por não terem assinado aditivos com os prestadores dos serviços de resíduos (estatais ou privados) ou em razão das operadoras dos serviços não terem se adequado aos parâmetros econômico-financeiros exigidos pelo novo Marco Legal do Saneamento Básico. [3] É preciso reconhecer que um bom exemplo ganha destaque e demonstra que outros projetos poderiam funcionar segundo essa lógica de concessão regionalizada para o setor de resíduos sólidos. É o caso da concessão de resíduos sólidos do Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento Regional do Vale do Rio Grande - CONVALE. Nesse exemplo, oito municípios da região do Triângulo Mineiro tiveram êxito em viabilizar investimentos da ordem de R$ 165 milhões na implantação da concessão. Quase um bilhão de reais serão investidos pela iniciativa privada para operação e manutenção dos serviços durante os 30 anos de vigência do contrato. [4] Há discussões no âmbito do próprio Supremo Tribunal Federal sobre a divisão dos valores entre os municípios agrupados nos lotes de concessão de água e esgoto no Estado de Alagoas (bem como do poder decisório de cada município participante do projeto).
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