Uma análise acerca da oportunidade de estruturação de novas políticas habitacionais através de parcerias público-privados
Isadora Cohen
Carolina Carelli
Matheus Cadedo
Publicado originalmente no JOTA
Entre os diversos desafios de política pública enfrentados pelos gestores públicos brasileiros, a garantia de habitações dignas à população ganha especial atenção. Desde 2016, o déficit habitacional no país saltou de 5.657.249 domicílios para mais de 5.876.699 habitações em 2019 (dados PNAD). O índice engloba não só domicílios precários, mas também aqueles com elevado custo de aluguel.
Tradicionalmente, o governo federal e os entes subnacionais têm optado pela realização de programas habitacionais públicos como o “Minha Casa Minha Vida”, recentemente renomeado como “Casa Verde e Amarela”. Em suma, construtoras e pessoas físicas podem realizar a construção de casas padronizadas, conforme os parâmetros técnicos previamente definidos e financiamento a baixo custo oferecidos, sobretudo, pela Caixa Econômica Federal. A entrega dos imóveis depende do atendimento de índices de qualidade e de desempenho de construção previamente definidos. A partir disso, os governos garantem uma série de subvenções econômicas e linhas especiais de crédito para os adquirentes dos imóveis, em condições variadas a depender da renda familiar.
Além disso, as unidades habitacionais produzidas pelo Programa também podem ser disponibilizadas aos beneficiários sob a forma de cessão, de doação (compra pelo Estado), de locação, de comodato ou arrendamento.
Nos últimos anos, contudo, as restrições orçamentárias e as dificuldades de acesso ao crédito têm dificultado a expansão dos programas habitacionais vigentes. Em contraste, surgem novas experiências de programas habitacionais baseados na realização de parcerias público-privadas, como tem feito o Estado de São Paulo através da realização de concessões administrativas, conforme será apresentado ao final deste artigo. Além disso, têm representado uma política habitacional multidisciplinar que não se preocupa em, apenas, prover domicílios, mas garantir que os moradores das novas residências tenham qualidade de vida.
Isso ocorre, pois as PPPs são arranjos complexos que podem conjugar não só a provisão de obras para construção das unidades habitacionais, mas também a prestação de serviços e obrigações conexas associadas ao objeto da concessão. Nesse sentido, as Parcerias podem garantir a conservação das habitações construídas, através da prestação de serviços de gestão patrimonial. Além disso, os projetos podem englobar a urbanização das áreas envoltórias, que assegurem lazer e novas oportunidades de comércio aos novos moradores. Como se demonstra, as PPPs, por constituírem verdadeiros nexos de contratos, permitem a estruturação de uma política multifacetada que também planeja e se preocupa em prever o estilo de vida dos futuros beneficiados pelo projeto.
No âmbito financeiro, as PPPs também se traduzem em benefícios financeiros e orçamentários. Isso porque enquanto em programas de habitação de execução direta é o próprio Poder Público o responsável por contrair dívidas com terceiros ou remunerar, com suas próprias dotações, o contratado, a curto prazo, nas PPPs é o próprio parceiro privado o responsável por financiar o empreendimento ou captar capital no Mercado, concentrando-se um grande volume de investimentos que serão amortizados ao decorrer de longos anos a partir das Contraprestações Públicas.
Além disso, nada impede que se pense em arranjos criativos em que, ao invés da Administração arcar com uma contraprestação pecuniária, busque-se outorgar ao privado direitos sobre bens públicos e dominicais que sejam comercialmente atrativos para ambos (o que é permitido pelo art. 6, inciso IV da Lei 11.079/04). Imagine-se, por exemplo, uma construtora, que deseje construir um grande empreendimento imobiliário, para locação de lojas comerciais, em uma área central de uma cidade, cujos terrenos são de Domínio Público. Nesse sentido, nada impediria que fosse outorgado à mencionada construtora o direito de explorar e construir no terreno por tempo determinado, havendo, como contrapartida, a elaboração de um empreendimento habitacional para famílias de baixa renda.
Soluções como essa permitem que o Poder Público aproveite parte de seus bens subutilizados com o intuito de viabilizar um programa habitacional, sem onerar o seu caixa e o orçamento público. Deve-se rememorar, também, que os desafios não são poucos. Projetos como o citado exigiriam um grande amadurecimento institucional e de planejamento das Parcerias. Encontrar áreas comercialmente atrativas ao Mercado Privado, estudar o período ideal de amortização dos investimentos e o número de unidades habitacionais que seriam construídas exige a realização de estudos técnicos robustos e bem estruturados. Arranjos mistos que conjuguem uma contraprestação pública paga, em parte, de forma pecuniária e, em parte, por outorga de direitos também pode ser uma boa opção ao gestor público.
O importante é ter consciência que são diversos os instrumentos para implementar uma política habitacional, ainda que diante de um contexto de grande escassez de recursos e de capacidade de investimentos públicos.
Como um exemplo de política inovadora, pode-se citar a PPP de Habitação realizada no Município de São Paulo (Concorrência Internacional nº 001/2014), visando a implantação de 14.124 unidades habitacionais em 4 lotes inseridos no Centro Expandido da Cidade de São Paulo, englobando os distritos da Sé, República, Santa Cecília, Barra Funda, Bom Retiro, Pari, Brás, Mooca, Belém, Cambuci, Liberdade, Bela Vista e Consolação. O contrato de concessão foi firmado com a Canopus Holding S.A, sendo assinado no início de 2015.
O referido projeto expressa uma política pública de visão multidisciplinar, isto é, as edificações possuem funções mistas já que integram o aspecto da moradia com áreas destinadas ao comércio e ao lazer, permitindo a conjugação entre vida pessoal e profissional refletindo diretamente na qualidade de vida. Do ponto de vista técnico, a parte térrea dos edifícios podem ser destinadas para empresas de pequeno porte e até pequenos centros comerciais, bem como para uso industrial, e institucional, desde que compatíveis com a questão residencial.
Perpassando o ponto de vista profissional e encarando a questão educacional e de segurança pública, a PPP de Habitação do Centro em 2020 entregou a creche municipal Nova Luz para 162 crianças de 0 a 3 anos, além de possibilitar a reforma do 2º Grupamento da Unidade do Corpo de Bombeiros. A promoção de projetos como esse, viabilizados de maneira mais rápida, certa e efetiva como tem demonstrado as Parcerias Público-Privadas, impossibilita a segregação urbana e amplia o desenvolvimento regional.
Não obstante, no referido projeto de habitação permite-se que a concessionária realize a exploração de atividades em espaços não habitacionais, através da alienação destes por exemplo, permitindo angariar receitas acessórias, cujo valor auferido será rateado com o poder concedente e poderá ser reinvestido na melhoria do empreendimento e reduzir a contraprestação.
Exemplos práticos e de sucesso como esse também permitem pensar em novas formas de se estruturarem parcerias habitacionais com a iniciativa privada. Contudo, além das concessões administrativas, por que também não pensar e executar concessões de uso, bem como arranjos que reaproveitam imóveis já construídos, entre outras modelagens contratuais que melhor se adequem ao contexto de cada ente federado?
Devemos buscar aprimorar práticas já existentes que possuem como escopo melhorar a qualidade de vida e perseguir os deveres estabelecidos de forma constitucional e infraconstitucional ao Estado, como o desenvolvimento urbanístico, sem nunca esquecer a inovação e a busca de soluções criativas na implementação das políticas públicas.
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