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ESG ainda não vale nada nos projetos de infra no Brasil

Apesar de ‘fast track’ para aprovação de projetos ditos sustentáveis, critérios ESG não geram taxas mais baratas


Isadora Cohen

João Kenji


Publicado originalmente no JOTA


Em tempos em que o assunto principal de todas as rodas é a construção de metas de sustentabilidade social, ambiental e de governança dos projetos, os dados mostram que o ESG ainda não resulta em crédito mais barato para os projetos de infraestrutura.

Mais precisamente: embora hoje haja um “fast track” para aprovação de projetos ditos sustentáveis e incentivos fiscais para enquadramento desses projetos como verdes ou sociais, os critérios ESG não geram taxas de financiamentos mais baratas.

Uma derivação das debêntures incentivadas, voltada para os chamados financiamentos verdes, foi criada pelo governo federal por meio do Decreto n. 10.387/20 (Decreto dos Títulos Verdes). As “debêntures incentivadas verdes” foram inauguradas e a nova regulamentação — que altera as condições estabelecidas pelo Decreto nº 8.874/16 — traz alguns parâmetros para caracterizar um projeto de infraestrutura como prioritário e “sustentável”, criando um processo simplificado e acelerado de aprovação junto aos ministérios setoriais para projetos com benefícios sociais e ambientais.

Acontece que os títulos verdes (espécie do gênero “debêntures incentivadas”) trazem incentivos tributários para o seu adquirente. Não há qualquer tipo de incentivo para o patrocinador do projeto de infraestrutura sustentável (tomador).

Se tomarmos o setor de saneamento como exemplo, temos que investimentos da ordem de R$ 3,5 bilhões serão levantados por meio de debêntures verdes, já aprovadas pelos ministérios correspondentes. Para o tomador da dívida, a taxa praticada pelo mercado não se diferencia das taxas praticadas em outras modalidades de financiamento. Isso é, não há um incentivo financeiro para que adote esse mecanismo em detrimento de outras possíveis alternativas de levantamento dos recursos necessários para viabilização de um projeto de infraestrutura sustentável.

Apenas para ilustrar, a média das taxas praticadas desde 2020 para as debêntures verdes para o setor de saneamento é de 5,91%, que é até mais alto do que as taxas praticadas nas debêntures incentivadas para o mesmo setor e que não foram enquadradas como “verdes”. Para esta última, o valor médio é de 5,03%.




Fonte: Levantamento próprio a partir de dados disponíveis em http://www.institutoformacaobancaria.com.br/

Outro elemento interessante de perceber é que as debêntures incentivadas, são, em sua maioria (no setor de saneamento) emitidas por empresas estatais, enquanto os green bonds são emitidos por empresas privadas (concessionárias de serviços). Será que o mercado atribui menor risco a ativos detidos pelo governo do que às iniciativas conduzidas pelo setor privado? Talvez ainda estejamos em um período de testes. A ver.

Mas ainda que não tenham esse incentivo, desde a regulamentação dessa nova modalidade de debênture incentivada, o número de emissões solicitadas por concessionárias e aprovadas pelos correspondentes ministérios cresceu em quase 50% no último ano: R$ 6,4 bilhões levantados por meio de debêntures incentivadas até a publicação do Decreto dos Títulos Verdes, em 2020; e R$ 5,9 bilhões no período de apenas um ano para os títulos verdes.

Parece-nos que o estímulo é muito mais procedimental do que, efetivamente, financeiro. E é, também, um alinhamento com as políticas públicas vigentes: de um lado, uma menor presença de recursos provenientes de fontes estatais (certa escassez de recursos públicos, portanto); e, de outro lado, alinhamento com o interesse manifesto do governo de desenvolver determinados setores (como é o caso do saneamento).

Uma outra forma de baratear o projeto seria, por exemplo, valorar impactos socioambientais positivos e constituir metas de incentivo econômico quando da verificação de tais impactos. Essas metas poderiam ser compensadas com diminuição de covenants, liberação de garantias ou, mesmo, diminuição das taxas praticadas – além, claro, de outros incentivos que poderiam ser oferecidos pelo governo contratante do projeto, tais como bônus de performance que impactariam, positivamente, a remuneração do patrocinador do projeto.

Mas a bem da verdade, os títulos verdes, na prática, estão muito mais ligados aos setores incentivados pelo governo naquele momento do que, propriamente, aos resultados esperados com a implementação de critérios sustentáveis.

E ainda não há, por parte dos financiadores públicos ou do mercado de capitais, um delineamento muito preciso de impactos e requisitos que poderiam, por exemplo, gerar um incentivo financeiro atrelado à sustentabilidade social e ambiental (ou a sua correlação com ganhos que possam ser compartilhados com o projeto e, portanto, com seus financiadores e investidores).

Para usar o próprio saneamento como ilustração, o governo classifica como “verde” qualquer concessão desse setor. Lógico que a simples existência de novos projetos de saneamento é desejável! Mas seria ainda mais interessante que se pudesse criar incentivos para projetos ainda mais sustentáveis.

Não seria interessante que os títulos verdes fossem concedidos para projetos que tivessem estímulos adicionais para redução de perdas, por exemplo? Ou para projetos que zelassem por uma disposição de lodo que estivesse em linha com os conceitos de economia circular? Claro que investir para reduzir perdas custa caro. Assim como reciclar lodo ou transformá-lo em energia.

Taxas mais baratas ou incentivos financeiros ao investidor (tomador da dívida) poderiam ser concedidos, justamente, para que o crédito mais barato fosse um estímulo para atingir a sustentabilidade nesses projetos já estratégicos.

Ainda há um longo caminho a se percorrer para que o Brasil possa construir um sistema que privilegia, de fato, projetos de infraestrutura sustentável. Parte desse caminho pode ser avançado com a aprovação no Parlamento do PL 2.646/2020. Este novo normativo permite que alguns dos benefícios e incentivos possam ser gozados pelo emissor dos títulos. Em cadeia, isso pode baratear o custo do crédito para o tomador (patrocinador do projeto).

Mesmo assim, subsistirá o desafio de criação e monitoramento de critérios adotados e os impactos socioambientais gerados pelo projeto e sua associação com benefícios financeiros e econômicos que podem ser usufruídos por aquele que decide investir em infraestrutura sustentável no Brasil.


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