Nova roupagem institucional da agência pode conferir aos diversos stakeholders do setor maior segurança jurídica para investimentos
Ana Carolina Sette
Carolina Carelli
Publicado originalmente no JOTA
O tema da governança do setor público, em especial das Agências Reguladoras, é frequente nesta coluna, dada a sua relevância para a concretização e contínuo desempenho das relações público-privadas.
Ao figurar como uma das principais pautas trazidas pela Lei n. 14.026 de 15 de julho de 2020, denominada popularmente de Novo Marco Legal do Saneamento Básico, a temática ganhou ainda mais expressão a partir da alteração da Governança das Águas. O normativo atribuiu uma nova roupagem institucional à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), a agência reguladora responsável pelo planejamento, monitoramento e regulação dos recursos hídricos.
As novas competências atribuídas a ANA encontram fundamento na Constituição Federal, em seus artigos 21 e 24, que atribuem à União a competência para instituir normas gerais sobre serviços de saneamento básico, meio ambiente e desenvolvimento urbano.
Conferindo maior amplitude ao texto constitucional, a partir de agora, para além de implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos e integrar o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Singreh), a ANA poderá formular Normas de Referência sobre diversos assuntos como, por exemplo, padrões de qualidade e eficiência na prestação, manutenção e operação dos sistemas de saneamento básico e critérios para a contabilidade regulatória[1].
Num primeiro momento, compreende-se como objetivo principal do legislador ao amplificar essa competência normativa, valendo-se das competências supracitadas, o de centralizar a regulação, buscando conquistar uniformidade normativa capaz de gerar a almejada segurança jurídica nas relações – intimamente ligada à majoração da atração de investimentos.
A fim de garantir a efetividade desta uniformização regulatória, a Lei n. 14.026/2020 prevê que na fase de elaboração destas normas gerais serão consideradas as melhores práticas do setor, por meio da escuta das entidades responsáveis pela regulação e fiscalização dos serviços e as entidades representativas dos Municípios.
A busca pela criação de um ambiente regulatório seguro jurídica e tecnicamente, que capte as boas praxes do setor e transforme-as em normas de aplicação nacional, nos parece viabilizar a edificação de um caminho para atingir outro objetivo: o de capacitar e orientar pequenas agências que estão construindo uma normatização mais sólida.
Essa questão se mostra ainda mais significativa se considerarmos a pluralidade de agências reguladoras existentes no país e a consequente preocupação quanto ao cumprimento dessas novas normas regulatórias. Atento a isso e buscando meios de observância e padronização da aplicação dos normativos, o legislador estabeleceu a obrigatoriedade de cumprimento destas normas no momento da contratação dos financiamentos com recursos da União ou com recursos geridos ou operados por órgãos ou entidades da administração pública federal.
Atualmente já foram editadas duas Normas de Referência pela ANA, a primeira, publicada em 14/06/2021, dispõe sobre as orientações acerca da prestação, definição, procedimentos, estrutura de cobrança, reajuste e revisões tarifárias do serviço público de manejo de resíduos sólidos urbanos (SMRU), bem como a possibilidade de os usuários serem classificados em categorias e subcategorias[2].
A segunda Norma de Referência, aprovada no dia 03/11/2021, por sua vez, tem disposições acerca da padronização dos aditivos dos contratos de programa e de concessão vigentes, prevendo indicadores que podem monitorar a universalização dos serviços públicos de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto, uma das principais apostas do Novo Marco Legal do Saneamento.
Nesta última norma de referência, em especial, é ainda mais perceptível -o uso da norma geral como instrumento de governança, já que ela acaba por guiar os entes federativos em seus diferentes níveis para a concretização da Universalização do Saneamento Básico e de políticas públicas, buscando auxiliar nas relações Inter federativas e clareando eventuais zonas cinzentas da regulação.
Um último apontamento que reforça o incremento do seu formato de governança é o fato de que a ANA agora também poderá desempenhar o papel de mediadora, isto é, poderá auxiliar na busca pela resolução de modo consensual de conflitos existentes entre os titulares, prestadores de serviços públicos de saneamento básico e a agência reguladora, desde que haja prévio aceite pelas partes do desempenho desta função.
A partir desses elementos, podemos pontuar como principal desafio o encontro do equilíbrio entre a edição e publicação destas normas de referência, que não ultrapassem searas normativas e o cuidado de se emoldurar os contratos e as relações que balizam o setor do saneamento.
Nos parece, portanto, que o novo papel de governança assumido pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, além de estar alinhado com a política ESG, pode conferir aos diversos stakeholders do setor maior segurança jurídica para realização de investimentos e enfrentamento dos desafios cotidianos dos contratos, no dia a dia da atividade regulatória das entidades prestadoras e reguladoras do serviço de saneamento básico, cabendo uma contínua análise do assunto no decorrer da vigência da Lei n. 14.026/20.
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