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O papel do subsídio público no transporte coletivo

Isadora Cohen

Eduardo Schutt

Publicado originalmente no JOTA


Com os impactos da pandemia da COVID-19, em especial quanto às restrições de mobilidade impostas para tentar controlar a disseminação do vírus, observa-se a deterioração da situação dos serviços de transporte das principais cidades do Brasil, causada, especialmente, pela abrupta queda na demanda de usuários e a forma como esta afeta a receita dos diversos operadores.

Devido às restrições à circulação de pessoas, fechamento de serviços não essenciais, horários de funcionamento de estabelecimentos comerciais alterados, ampliação das formas de trabalho remoto, surgimento de novos modelos de negócios e hábitos de consumo, é possível que o comportamento do usuário do transporte coletivo e, consequentemente, a demanda pelos serviços, nunca voltem aos padrões observados nos anos anteriores à pandemia.

Os esforços de implementação de quarentena executado pela maioria dos entes subnacionais conseguiu trazer significativa queda nos deslocamentos, porém há serviços essenciais que não podem parar. E, para estes que não puderam parar, é igualmente essencial que os serviços de transportes operem para que os trabalhadores cheguem aos seus postos de trabalho e consigam retornar para suas casas. Adicionando complexidade à situação, os sistemas tiveram de operar com oferta ampliada, a fim de reduzir a quantidade de passageiro/m², simultaneamente à queda na receita, ainda hoje não recuperada.

Toda essa tempestade ideal evidenciou a importância do Estado na manutenção deste serviço, ainda mais em momentos de crise. Se nos anos anteriores à pandemia, com cenário de demanda crescente para os sistemas de mobilidade, a ampla maioria dos serviços contava com algum tipo de subsídio, agora, mais do que nunca, a complementação com recursos públicos é imprescindível para a manutenção da operação.

A participação do Estado, aportando subsídios para viabilizar o transporte, ocorre de variadas formas. Em alguns casos, paga-se ao operador uma tarifa de remuneração por passageiro maior do que a arrecadação média do sistema de bilhetagem, às vezes na forma de contraprestação pecuniária. Para estatais de transporte, a Fazenda do Estado pode assumir seus prejuízos e ressarcir o ônus financeiro de políticas de meia tarifa e gratuidade. Há também outras formas, que não são propriamente subsídios, mas que garantem os recursos necessários à disponibilidade do serviço, como a garantia de uma demanda mínima ou banda de compartilhamento do risco de demanda.

O caso do Metrô de São Paulo é útil para ilustrar este raciocínio. Com normalidade operacional, em 2019 (1), o Metrô realizou 1.098 bilhão de viagens, registrando um prejuízo de R$ 599 milhões no exercício. Cumpre ressaltar que, neste mesmo ano, foram aportados pelo Tesouro da Fazenda do Estado R$ 630 milhões como ressarcimento de gratuidade. Somando as despesas que, em última instância, são assumidas pela Fazenda, o prejuízo e o ressarcimento de gratuidades totaliza aproximadamente R$ 1,3 bilhão, que, dividido pelas viagens daquele ano, resulta em um subsídio público de R$ 1,12 por viagem.

Já em 2020, com os impactos da pandemia, as viagens caíram pela metade, registrando, no ano passado, o montante de 554 milhões. O prejuízo da empresa foi de R$ 1,7 bilhão e o ressarcimento de gratuidades representou R$ 234 milhões. Realizando a conta proposta no parágrafo anterior, o subsídio público por viagem no ano de 2020 alcançou o valor de R$ 3,49.

É importante salientar que a receita do Metrô de São Paulo é impactada pela ordem de pagamento da Câmara de Compensação que integra a bilhetagem da Região Metropolitana de São Paulo e pela tarifa paga às concessionárias, que não é igual à arrecadação média do sistema de trilhos. Há, portanto, outros fatores que impactam o resultado financeiro do Metrô que podem ser mais bem analisados oportunamente, mas que não alteram o valor efetivamente subsidiado nos anos em questão.

Em outras regiões, após praticamente um ano e meio de pandemia, os sistemas metroferroviários das principais metrópoles ainda enfrentam um patamar de demanda de passageiros significativamente abaixo dos anos anteriores, incorrendo em acúmulo de déficit sem precedentes no setor. Aqueles submetidos à operação pública, CBTU, Trensurb, Metrofor e Metrô DF, tiveram no caixa do governo, estadual ou federal, a garantia de manter seus trens em circulação. Mas a atuação do poder público também se mostrou fundamental na operação privada, revendo obrigações contratuais e compartilhando parte das perdas por conta deste evento de força maior. Os serviços que não contam com algum tipo de subsídio ou garantia entraram em colapso financeiro.

Esse é o caso do Estado do Rio de Janeiro. Com a receita atrelada unicamente à tarifa paga pelos usuários do serviço e sem qualquer tipo de subsídio do governo do estado previsto nos contratos de concessão, SuperVia e MetrôRio viram o caixa desaparecer desde o início da pandemia e, juntos, acumularam até março deste ano mais de R$ 1 bilhão em prejuízo (2). A saída que vem sendo negociada com o Governo do Estado do Rio de Janeiro é justamente o dispositivo que manteve os outros serviços solventes e operantes: o complemento de recursos públicos para que a conta feche.

Há quem se alarde pelo fato do Poder Público subsidiar e eventualmente assumir prejuízos de estatais de transporte e concessionárias de serviço público em momentos de crise e de normalidade, mas é fato também que, apesar de deficitários, os serviços de transporte trazem inúmeras externalidades positivas que, na maioria das vezes, fazem o subsídio valer a pena. O usuário do transporte coletivo viaja ocupando menos espaço, de forma mais barata, menos poluente, mais segura e isso faz aumentar a eficiência do investimento nesses sistemas, desonerando o sistema de saúde e mitigando os impactos ambientais.

A implementação do Bilhete Único em São Paulo fez aumentar significativamente o número de viagens sobre pneus e trilhos, pois permitiu múltiplas viagens com o mesmo bilhete e integração intermodal com desconto na tarifa (3). As vantagens trazidas ao usuário do transporte coletivo pelo Bilhete Único reduziram a receita média por viagem, fazendo-se necessário maior aporte do poder público, mas são inegáveis os benefícios que esta política trouxe para a metrópole e, inclusive, para os usuários de automóvel.

Neste âmbito, um dos principais desafios da gestão pública é constantemente valorar o subsídio e avaliar as externalidades, nas variadas frentes em que esta se manifesta, com vistas a entender melhor os resultados da alocação de recursos públicos e paulatinamente aprimorá-la em prol do interesse público.


(3) https://www.youtube.com/watch?v=BSHeUsfXXa4&ab_channel=INFRACAST

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