Mais do que fiscalizar rotinas, é necessário monitoramento ativo, cooperativo e permanente de PPPs e concessões
ISADORA COHEN
JÉSSICA LOYOLA CAETANO RIOS
Originalmente publicado no JOTA
A contratação de Verificadores Independentes tem se mostrado cada vez mais frequente nos contratos de parceria público-privada, contribuindo para a consolidação de uma cultura de gestão contratual pró-resultados. No entanto, pensando nos mitos e distorções que ainda persistem em torno desse importante instrumento contratual, e a fim de contribuir para que ele possa ser explorado em sua máxima potencialidade, o presente artigo é o primeiro de uma série dedicada à figura do Verificador Independente e à sua relevância para os contratos de parceria público-privada.
A gestão dos contratos de concessão e das parcerias público-privadas é tarefa das mais desafiadoras: há que se zelar pela interação público-privada, monitorar objetivamente os resultados, tratando os dados e as informações disponibilizadas pelas partes, e prover meios para que o contrato possa ser constantemente atualizado e ajustado às circunstâncias que se imponham no decorrer do tempo. Apesar do caráter multifacetado da gestão contratual, por vezes, essa atividade é reduzida à mera fiscalização da atuação da concessionária, dos meios e rotinas operacionais empreendidos para a prestação dos serviços, sem que se proceda à avaliação da efetividade do contrato para a consecução dos resultados pretendidos pela Administração Pública com a contratação.
Como arranjos complexos, dinâmicos e naturalmente incompletos que são, os contratos de concessão e PPPs demandam um esforço contínuo para garantir que os objetivos para os quais eles foram concebidos sejam alcançados e atendam adequadamente aos usuários durante todos os anos de vigência contratual. Assim, mais do que simplesmente fiscalizar os caminhos e rotinas operacionais adotados pela concessionária – afinal, elas mudam ao longo do tempo -, é necessário que se faça um monitoramento ativo, cooperativo e permanente da qualidade dos serviços que estão sendo prestados, inclusive com a construção e proposição de soluções que permitam um atendimento mais adequado aos usuários, dentro dos limites da moldura contratual.
As parcerias público-privadas se caracterizam como contratos de resultado, por isso o seu monitoramento deve ter como foco o cumprimento da finalidade para a qual foi formatada, e não nos meios empreendidos pela concessionária para tanto, os quais podem ser alterados e aperfeiçoados ao longo do tempo. Assim, não cabe ao Verificador Independente entrar na rotina operacional da concessionária, mas acompanhar continuamente se os indicadores de desempenho refletem os objetivos pretendidos pela política pública que orientou a celebração da parceria, permitindo o seu aprimoramento constante.
O foco nos resultados é o verdadeiro espírito das parcerias e a atuação do Verificador Independente é fundamental para que esse seja sempre a força motriz do processo de monitoramento desses contratos.
Em âmbito internacional, o “terceiro independente” é reconhecido como uma importante ferramenta para o monitoramento da performance do particular e, consequentemente, para o êxito do empreendimento, sendo, muitas vezes, contratados pelos próprios garantidores ou financiadores do projeto. No Brasil, contudo, ainda é preciso desmistificar alguns conceitos a respeito desse instituto e fortalecer o entendimento de que o Verificador Independente não é um mero “fiscalizador” contratual, que atua em benefício de uma ou outra parte, mas sim um agente independente, neutro e imparcial, que atua a serviço do contrato e que, por isso, se aproveitado em todas as suas potencialidades, pode otimizar as relações entre o Estado e a iniciativa privada.
Recentemente, o Tribunal de Contas da União determinou à ANTT a supressão das referências ao “relator independente” das minutas dos contratos de concessão da BR-153/TO/GO e BR-080/414/GO, partindo da premissa de que apenas o monitoramento direto dos parâmetros de desempenho pela Agência seria capaz de garantir uma fiscalização efetiva dos contratos de concessão de rodovias, tendo em vista que o “relator dito independente, ainda que encontre pendências na fase de trabalhos iniciais (ou nas demais fases previstas no contrato), dificilmente terá condições de reportar tais óbices à ANTT e de se manifestar contrariamente ao início da cobrança de pedágio (ou aumento de tarifa), uma vez que isso acarretaria uma perda de arrecadação de grande monta à sua contratante, o que colocaria em risco a própria continuidade de sua prestação de serviços”.
O posicionamento adotado pela Corte de Contas reforça a necessidade de trazer luz ao tema da verificação independente dos contratos de parceria e da sua potência para o sucesso desses projetos.
O fato de o Verificador Independente ser remunerado pela concessionária, por si só, não desqualifica a imparcialidade, independência e efetividade do seu trabalho de monitoramento e controle do desempenho contratual. Ao contrário, justamente porque não há o esvaziamento do poder fiscalizatório e sancionatório do Poder Concedente diante de eventuais descumprimentos contratuais pelo particular – os quais podem, inclusive, levar à extinção antecipada do contrato -, ao Verificador Independente interessa que o projeto seja exitoso, alcançando as finalidades para as quais fora concebido.
Desse modo, a contratação do Verificador Independente diretamente pela concessionária parece contribuir para uma maior estabilidade no monitoramento das concessões e PPPs, visto que o particular pode manter o contrato com o prestador dos serviços de verificação independente durante todo o prazo da parceria, sem ter que enfrentar as complexidades inerentes aos procedimentos licitatórios conduzidos pela Administração Pública. Nesse tocante, a contratação do Verificador Independente pelo Poder Público muitas vezes é precedida de licitação realizada na modalidade pregão, com prazo de vigência 5 anos, de forma que, para acompanhamento das parcerias de longo prazo, serão necessários diversos contratos, que poderão ser celebrados, inclusive, com prestadores de serviços diversos.
Naturalmente, a contratação do Verificador Independente pelo particular não importa na ausência de ingerência do Poder Concedente sobre a empresa que será contratada para verificação independente da parceria. Nesse sentido, também deverão ser adotados os devidos cuidados para contenção dos riscos de captura e respeitados os requisitos mínimos de neutralidade, imparcialidade, independência e de comprovação da qualificação técnico-operacional necessária para monitoramento e controle da qualidade e adequação dos serviços prestados pela concessionária.
De toda forma, independentemente da sua forma de contratação, o Verificador Independente é uma figura de apoio intelectual e técnico no monitoramento da qualidade dos serviços prestados pela concessionária, que contribui para uma gestão mais eficaz dos contratos, inclusive no que tange às atividades fiscalizatórias exercidas pelo Poder Concedente. Trata-se, assim, de uma ferramenta útil às partes e, especialmente, à própria parceria, justamente por viabilizar o gerenciamento de dados com o devido distanciamento entre as partes, identificando não apenas eventuais falhas da concessionária, mas permitindo também a revisão contínua dos indicadores contratuais, de modo a adequá-los às inovações tecnológicas e demais transformações circunstanciais que se apresentem no decorrer do tempo.
Nesse contexto, é importante notar que o processo de monitoramento e controle contratual conduzido pelo Verificador Independente é aberto à participação ativa das partes, que podem contribuir para a avaliação dos subsídios relativos à performance da concessionária na prestação dos serviços, assim como para a própria modernização do contrato. Assim, o Verificador Independente atua na interlocução entre as partes e no gerenciamento das informações, conferindo-lhes o tratamento adequado para que possa, então, auxiliá-las no aperfeiçoamento dos processos de monitoramento contratual, no desenvolvimento de plataformas e sistemas modernos de controle de desempenho, na gestão de pleitos, no cálculo da remuneração da concessionária e na promoção das alterações que são comuns a esses contratos.
O tratamento adequado dos dados contribui para o aprimoramento dos processos de tomada de decisões pelo Poder Concedente, tornando-os mais consistentes, robustos e mais bem fundamentados, uma vez que pautados em informações claras e disponíveis às partes a qualquer tempo. Em igual sentido, a possibilidade de as partes se valerem de um intermediador dotado de inteligência técnica e operacional para tratar das questões relacionadas à performance contratual contribui para a redução de conflitos e para a consolidação de um espírito cooperativo entre as partes, que poderão, com o apoio do Verificador Independente, construir os caminhos para o aprimoramento da execução do contrato e para a garantia de eficiência dos serviços prestados pela concessionária.
Para além das contribuições da verificação independente para as atividades de fiscalização exercidas pelo Poder Concedente e pelos próprios órgãos de controle externo, que também poderão se valer das informações geridas ao longo da execução contratual para realizarem a sua análise sobre o contrato, a atuação de Verificadores Independentes potencializa o aproveitamento das externalidades positivas do projeto. De fato, em um mundo onde os dados são cada vez mais valiosos e determinantes para a tomada de decisões estratégicas, o bom gerenciamento dessas bases é fundamental para a análise de custo-benefício dos projetos, para avaliação do nível de satisfação dos usuários e identificação das possibilidades de aprimoramento e atualização dos serviços.
Portanto, o Verificador Independente é um agente imparcial a serviço do contrato – e não de uma parte em detrimento da outra -, ao qual foi incumbida a tarefa de gerenciamento das informações contratuais, para que, muito além de controlar a qualidade dos serviços prestados pela concessionária e de realizar os cálculos de sua remuneração, se viabilize a análise contínua, dinâmica e real do valor que o projeto entrega aos usuários.
ISADORA COHEN – Fundadora Infracast. Presidente Infra Women Brazil. Sócia ICO Consultoria. Professora do MBA de PPPs e Concessões da PUC MINAS e do MBA LSE FESP.
JÉSSICA LOYOLA CAETANO RIOS – Graduada em Direito pela UnB. LLM em International Dispute Resolution pela Queen Mary University of London. Advogada na ICO Consultoria.
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