Uma análise de sua evolução, utilização prática e limites
Por: Isadora Cohen, publicado originalmente no JOTA.

Embora o verificador independente (VI) seja uma figura recorrente em contratos recentes, sua atuação carece de uma regulamentação nacional clara. A atuação dos verificadores traz benefícios e implicações para a governança de PPPs no país. Mas também tem limitações. A adoção de melhores práticas (que estejam minimamente tipificadas ou padronizadas) pode promover uma integração mais eficaz dessa figura no contexto regulatório brasileiro.
É que a adoção de PPPs no Brasil tem se consolidado como uma solução viável para a execução de projetos de infraestrutura e serviços públicos. Nesse contexto, a figura do VI pode surgir como um elemento essencial para garantir a transparência, a mensuração de desempenho e o cumprimento das metas contratuais.
Introduzido em 2008 no contrato da rodovia MG-050, o VI evoluiu de uma função focada em aferir indicadores para um papel mais amplo, que inclui o suporte à gestão contratual, participação em mediação de conflitos e colaboração em decisões regulatórias mais abrangentes 1.
A importância do VI não se restringe à mensuração técnica; ele desempenha um papel estratégico na mitigação de riscos contratuais e no fortalecimento da confiança entre os agentes públicos e privados. Sua atuação é especialmente relevante em projetos de grande impacto social e econômico, como concessões rodoviárias, saneamento e iluminação pública. Além disso, sua presença contribui para o fortalecimento da governança institucional, especialmente em contextos em que a capacidade técnica dos gestores é limitada.
Apesar de sua crescente utilização, a atuação do VI não é regulamentada de forma abrangente no Brasil. Em especial, não há definição clara sobre (i) as atribuições e responsabilidades do VI; (ii) como a figura do VI contribui para a governança contratual; e sobre (iii) os desafios jurídicos e regulatórios enfrentados?
As definições dos VI são apresentadas nos diversos contratos de PPP. Não há padronização sobre o tema. Mas deveria ser tratado como um terceiro imparcial que auxilia na fiscalização e monitoramento do desempenho da concessionária. Suas atribuições tradicionais incluem, pelo menos:
Mensuração de indicadores de desempenho.
Geração de relatórios para basear contraprestações variáveis.
Apoio técnico em processos de reequilíbrio econômico-financeiro.
Nos contratos mais recentes (em especial desde 2021), o VI também assumiu:
Monitoramento de bens reversíveis.
Suporte técnico para decisões regulatórias.
Mediação de pleitos contratuais.
Análise de conformidade de informações contábeis e financeiras.
Avaliação de impactos ambientais e sociais dos projetos.
Apoio em processos de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos.
Apoio em disputas que são submetidas à Juntas Técnicas, Dispute Boards, Arbitragem ou outras formas de solução de conflito.
Além dessas funções, o VI tem sido reconhecido como um agente facilitador da comunicação entre as partes envolvidas, promovendo maior integração e alinhamento estratégico. Essa característica o torna particularmente relevante em projetos com múltiplos stakeholders. Seu papel é especialmente útil em projetos que envolvem inovações tecnológicas ou modelos financeiros complexos, ampliando a capacidade de monitoramento e controle de riscos.
Em alguns projetos, os verificadores são responsáveis pela instalação – e disponibilização para as partes contratantes – de sistemas de inteligência para processamento de informações e documentos que sejam importantes para a instrução dos processos administrativos relacionados ao projeto.
Com isso, os verificadores acabam contribuindo para os processos de tomada de decisão, a formação da motivação e a transparência documental relacionada. Com a instrução processual formalizada a partir de análises e documentos produzidos pelos verificadores, até mesmo o controle dos atos administrativos acaba sendo facilitado.
Um exemplo interessante disso aconteceu em um contrato de concessão rodoviária do estado do Piauí. Na ocasião, as partes solicitaram ao verificador independente 2 que avaliasse a viabilidade de adicionar ao escopo original da PPP um novo trecho rodoviário (aumentando, assim, a extensão que ficaria sob administração da concessionária).
O VI conduziu levantamentos técnicos, análises de value for Money (para comparar essa alternativa com outras que seriam possíveis), fundamentação jurídica e econômico-financeira, inclusive quanto aos potenciais desequilíbrios gerados. Nesse processo, o verificador produziu diversos relatórios e documentos que apoiaram a tomada de decisão por, no fim das contas, incluir esse trecho no escopo da concessão.
Quando o TCE-PI realizou a análise da decisão tomada pelo Executivo, elogiou a documentação que a fundamentou 3. A motivação e transparência, presentes nos relatórios técnicos produzidos pelo VI, contribuíram para a solidez da justificação que foi utilizada para a inclusão do trecho.
Essa tendência de chamar o verificador para apoiar em outras iniciativas, que não somente a avaliação de indicadores de performance, é crescente e tem se acentuado nos últimos anos. O levantamento empírico indica que, em 44,9% dos contratos analisados de 2022-2023, o VI desempenhou funções além da mensuração de desempenho.
Boa notícia é que algumas agências reguladoras e, em especial a ANTT, editou normativas mais detalhadas para regular a atuação do VI (no âmbito dos RCRs). No caso da ANTT, as atribuições do VI também são expandidas e abrangem outras atividades para além das mais tradicionais.
Essa ampliação de atribuições reflete a crescente complexidade dos contratos de PPPs e a necessidade de agentes especializados que possam apoiar no que for preciso para garantir o cumprimento de metas contratualmente estipuladas e o adequado atendimento dos usuários.
1 um levantamento empírico inédito, feito em 231 contratos de PPP celebrados entre 2012 e 2023, constatou esse resultado. COHEN, Isadora. Verificação independente em PPPs: uma análise da evolução do papel do VI no Brasil, de sua utilização prática, atribuições e limites de atuação. Dez/2024 – “no prelo”
2 Consórcio formado pelas empresas ICO Consultoria e EVVIA
3 Processo nº 012627/2024. Disponível para consulta em: https://www.tcepi.tc.br/fiscalizado/pesquisa-de-processos/.
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