É necessário o retorno do capital público de maneira robusta e complementar às recentes iniciativas privadas
Por: Isadora Cohen, Rodrigo Urrutia. Publicado originalmente no JOTA
A infraestrutura é um dos pilares fundamentais para o desenvolvimento econômico e social de qualquer país. No Brasil, a busca por fontes eficientes de financiamento para projetos de infraestrutura tem sido um desafio constante. Nos últimos anos, tem-se observado uma mudança significativa no cenário de financiamento, com o mercado de capitais desempenhando um papel cada vez mais relevante. Isso se deve majoritariamente pela utilização das chamadas Debêntures Incentivadas.
As Debêntures Incentivadas, criadas pela Lei 12.431/2011[1] e editada recentemente através do Decreto 11.964/2024[2], são títulos de dívida emitidos por empresas que oferecem benefícios fiscais aos investidores, com o objetivo de captar recursos para projetos específicos, principalmente na área de infraestrutura.
Esses títulos visam fomentar investimentos privados em setores estratégicos, proporcionando isenção de imposto de renda sobre os rendimentos para pessoas físicas e redução de alíquotas para investidores institucionais. A criação desse mecanismo buscou atrair capital privado, diversificar as fontes de financiamento e reduzir a dependência de recursos públicos – e conseguiu.
No decorrer da jovem trajetória da modalidade, milhares de portarias foram emitidas pelos ministérios, identificando projetos aptos a utilizar o instrumento, resultando em emissões superiores a R$ 250 bilhões e tornando-se a forma mais importante de financiamento do setor ao ultrapassar em valores o BNDES em 2019. Os valores investidos através de Debêntures Incentivadas saltou de R$ 3 bilhões em 2012, para R$ 34 bilhões em 2019 (ultrapassando os valores investidos via BNDES), para esmagadores R$ 68 bilhões em 2023.
Adicionalmente, a Lei 12.431 possibilitou a criação de fundos especializados em debêntures incentivadas, mantendo a isenção de Imposto de Renda. Em dezembro de 2022, esses fundos contavam com 177 mil cotistas e geriam mais de R$ 46 bilhões, excluindo FIPs e FIDCs.[3] Vale ressaltar ainda a participação dos principais setores de infraestrutura em operações via Debêntures Incentivadas, com destaque para a área de energia elétrica, que representa em 2024 42,4% do estoque desse tipo de debênture.
Na mesma linha, em janeiro deste ano, foi publicada a Lei 14.801[4], que instituiu as Debêntures de Infraestrutura. Em complementação da Debênture Incentivada, as Debêntures de Infraestrutura foram lançadas com clara intenção de diminuir a burocracia e proporcionar o benefício fiscal em favor da emissora, ao invés do investidor. As entidades que captarem recursos poderão contabilizar os juros pagos como despesas operacionais e deduzir até 30% desses juros da base de cálculo da CSLL e do IRPJ. Esses instrumentos financeiros são especialmente destinados a investidores isentos de Imposto de Renda, como os fundos de pensão, que têm passivos de longo prazo vinculados à inflação[5].
Frente ao cenário descrito, é digno de celebração que o mercado de capitais tem absorvido uma parte relevante do financiamento de infraestrutura no país. Essa participação tem crescido de forma consistente e dá sinais de que continuará a se expandir no mercado privado.
Além disso, a criação de legislação e regulamentação que inseriu novos mecanismos de financiamento privado, focados agora nos emissores, também é motivo de festejo. Por fim, deve-se aplaudir que essas medidas possam resultar em taxas competitivas e incentivos, promovendo cada vez mais o financiamento da infraestrutura pelo mercado privado.
Entretanto, é crucial lembrar que essas medidas ocorreram paralelamente a uma diminuição substancial do papel do BNDES no financiamento da infraestrutura do país. Embora não se possa confirmar a extensão do nexo causal, os números indicam que a ausência deste como financiador da infraestrutura induziu a busca por novos mecanismos de financiamento.
Após impressionante declínio de R$ 111 bilhões em 2014 para cerca de R$ 30 bilhões em 2019[6], a aposta do BNDES em diminuir sua atuação em investimento de infraestrutura fez emergir o mercado de capitais como alternativa para o financiamento de projetos de infraestrutura.
Diante desse cenário, é essencial aproveitar a tendência de crescimento do mercado privado através das Debêntures Incentivadas e a consolidação das Debêntures de Infraestrutura para desenvolver uma alternativa ainda mais robusta que reintegre o BNDES e outros veículos de capital público nesse mercado. Tal ação deve ser fundamentada no fato de que o panorama geral de crescimento do investimento em infraestrutura é extremamente baixo.
Em outras palavras, o investimento atual em infraestrutura, mesmo com o recente ímpeto do mercado privado, é insuficiente frente à enorme demanda do país. A situação se torna ainda mais crítica ao considerar que não se tem investido sequer na manutenção e reposição da infraestrutura existente, quanto mais nos novos projetos necessários ao desenvolvimento brasileiro.
Fica claro, portanto, que para alcançar um nível de infraestrutura compatível com o PIB de um país do tamanho e das necessidades do Brasil, é necessário o retorno do capital público de maneira robusta e complementar às recentes iniciativas privadas, ao papel de financiador da infraestrutura brasileira.
Os novos projetos demandam recursos financeiros, estudos para mitigação de riscos e a formação de garantias. É fundamental, nesse sentido, intensificar e expandir o papel do capital público nos investimentos de longo prazo, oferecendo taxas de juros que correspondam aos retornos dos projetos. Veículos como o BNDES devem estar envolvidos desde o início, auxiliando na estruturação dos projetos e no financiamento, utilizando modalidades como project finance, além de – é claro – debêntures e outros instrumentos para diminuição de riscos.[7]
Em conclusão, celebremos que o mercado de capitais tenha se mostrado uma fonte crescente e relevante de financiamento para a infraestrutura brasileira. Mas não se pode ignorar que em termos de valores, isso não é suficiente para atender à enorme demanda do país.
É crucial que o BNDES e outros veículos de capital público retomem um papel mais ativo e robusto no financiamento da infraestrutura, em complemento às iniciativas privadas. Apenas com uma colaboração estreita entre o setor público e privado será possível alcançar o desenvolvimento econômico e social que o Brasil tanto necessita.
[2]Disponível em:https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2024/decreto-11964-26-marco-2024-795426-publicacaooriginal-171363-pe.html
[3]Buccini, Evandro. História de sucesso das debêntures incentivadas deve continuar. Infomoney, 2024. Disponível em:https://www.infomoney.com.br/colunistas/evandro-buccini/historia-de-sucesso-das-debentures-incentivadas-deve-continuar/
[5]Buccini, Evandro. História de sucesso das debêntures incentivadas deve continuar. Infomoney, 2024. Disponível em:https://www.infomoney.com.br/colunistas/evandro-buccini/historia-de-sucesso-das-debentures-incentivadas-deve-continuar/
[6]ANBIMA. Debêntures Incentivadas X Concessão Infraestrutura do BNDES. 2024.
[7]Tadini, Venilton. Guimarães, Roberto. Infraestrutura Precisa de Financiamento. O Globo, 2022. Disponível em:https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2022/11/infraestrutura-precisa-de-financiamento.ghtml
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