Caminhos para reduzir os riscos associados ao financiamento de aportes em PPPs
Isadora Cohen
Pedro Giannini
Matheus Silva Cadedo
Publicado originalmente no JOTA
Um dos principais impasses para estruturação de PPPs é a disponibilidade de recursos públicos. Em especial, quando os recursos devem ser despendidos pela Administração “na cabeça”, já na fase de investimentos do empreendimento, muitas vezes por meio de pagamento dos chamados “aportes públicos”.
Para arcar com tais pagamentos, o Poder Concedente deve deter capital e disposição para despendê-lo imediatamente. Seja por meio de recursos orçamentários ou – se as taxas forem atrativas – por meio de financiamentos contraídos com terceiros. Por um meio ou outro, há cuidados orçamentários que devem ser observados pelo Estado para viabilizar essas entradas e saídas de caixa para fazer frente ao pagamento da concessionária.
Ao mesmo tempo em que os aportes representam uma liquidez imediata para que a concessionária possa conduzir suas atividades, as restrições e os trâmites orçamentários do Poder Concedente são traduzidas como risco para o mercado. Em verdade, o Brasil ainda caminha (em passos tímidos) para construir uma reputação de “bom pagador”, ou – em linguagem financeira – um bom rating.
Peguemos o exemplo do estado de Minas Gerais. Uma nota SD pela Standard and Poors[1], o que significa um “Default Seletivo” – uma das piores notas de sua escala, indicativa de que o ente não é capaz de fazer jus a suas obrigações financeiras. Mesmo o Estado de São Paulo, uma das unidades federativas com melhor score de crédito, foi avaliado como BB- pela Fitch Ratings[2], apontando também alto risco (bastante distante do desejado AAA, que indica a solidez para o credor).
O papel do gestor público é vencer a inércia e inovar, mesmo frente ao desafiador cenário. Para isso, é preciso encontrar soluções para manter os projetos de PPPs interessantes para o mercado e orçamentariamente viáveis para a Administração.
Diante do contexto, e no que diz respeito aos aportes públicos, que tal propor que – ao invés de os recursos serem providos pelo Poder Concedente – o próprio financiador (público ou privado) possa realizar a liberação dos recursos diretamente para a concessionária (sem que tal recurso transite pelas contas da Administração)?
Essa ideia soluciona, em parte, o problema de confiabilidade de crédito dos Estados, já que a reputação do Poder Concedente seria parcialmente substituída pela figura do financiador, que teria um rating mais atrativo.
Para que seja transferida por completo as vantagens do financiamento, também seria necessário propor uma estrutura jurídica que assegurasse que os recursos destinados aos Aportes seguissem um fluxo independente das liberações orçamentárias do Estado.
A estrutura jurídica para realização deste tipo de operação é tradicional no mercado de infraestrutura. Em linhas gerais, é composta por: (i) um contrato de financiamento entre Poder Concedente e entidade financiadora, estabelecendo a forma de disposição do recurso; (ii) um contrato entre Poder Concedente e Concessionário que estabeleceria o dever do Concessionário de acessar os recursos desta conta; e (iii) a contratação de um agente garantidor, para controle da conta vinculada, liberando recursos conforme as previsões contratuais do projeto.[3]
Mas e se déssemos um passo a mais…? Será que o Poder Concedente poderia utilizar de valores devidos a título de “multas” para o financiamento dos projetos?
Vejamos o caso da Vale e o acordo firmado para reparação dos danos provocados pelo Evento do Rompimento da Barragem do Córrego do Feijão em Brumadinho.
O Governo de Minas Gerais e a Vale assinaram, em 04/02/2021, acordo para reparação das consequências do Evento, em valor total superior a R$ 37 bilhões.[4]
O acordo previu destinações específicas para áreas prioritárias. Em especial, R$ 4,95 bilhões foram destinados exclusivamente para projetos de mobilidade na Região Metropolitana de Belo Horizonte, sendo que um deles seria a construção do Rodoanel, projeto fundamental para desenvolvimento da região.
A partir disso, e considerando o contexto fiscal do Estado, poderíamos pensar em firmar um contrato entre a Vale e Governo de Minas Gerais, que destinaria os valores do acordo para o pagamento dos Aportes de Recursos no projeto do Rodoanel.
Estes seriam acessados pelo Concessionário mediante o mecanismo de contas vinculadas descrito anteriormente, sem a necessidade do trânsito desses recursos pela estrutura fazendária do Governo de Minas Gerais.
Em outras palavras, porque não fazer com que um terceiro transfira os recursos diretamente ao futuro parceiro privado, sem que haja a necessidade de esse recurso transitar por contas de titularidade do Estado?
Na situação proposta, os valores de Aporte de Recursos estariam assegurados pela Vale, uma empresa que segundo Fitch Ratings detém score de BBB[5], muito superior ao score SD do Governo de Minas Gerais, tornando o projeto mais atrativo aos potenciais interessados, e reduzindo a percepção do risco de default do Poder Concedente.
A Lei de PPPs (Lei n.º 11.079/04) – assim como as principais legislações orçamentárias – não estabelecem impeditivos ou recomendações contrárias.
O artigo 6 da Lei e PPPs, por exemplo, determina que a forma dos pagamentos de contraprestações e aportes poderá ser realizada, dentre outros meios, por cessão de créditos não tributários; ou outorga de direitos em face da Administração Pública. Ambas as classificações poderiam abranger o acordo da Vale.
Também pela ótica do Direito financeiro e orçamentário, não há restrições a essa solução. As normas relativas a tais matérias se preocupam, sobretudo, com o registro de transações: receitas e despesas referentes aos gastos e arrecadações públicas, métricas que possibilitam a correta averiguação do cumprimento e execução de metas fiscais e de endividamento dos entes federativos.
Ou seja, a gestão contábil, orçamentária e financeira, aplicável à Administração pública, se preocupa muito mais em regrar e registrar o uso dos recursos públicos e sua compatibilidade com o planejamento fiscal, relevando a maneira como as verbas são transitadas: se depositadas em conta bancária de titularidade direta de órgão público ou se transferidas via terceiro ou conta vinculada.
Dessa forma, nos parece que essa seja uma solução possível e inovadora para os desafios das atividades de projetos de infraestrutura! Este conceito permite que o Poder Concedente segregue o risco de inadimplemento da Administração Pública da fonte de recursos necessários para financiar os Aportes, transferindo essa responsabilidade para um ente que goza de melhor reputação no mercado.
E qual será o limite para essa ferramenta? Poderíamos utilizá-la em multas de acordos de leniência? Usar outorgas fixas de outros projetos para financiar outras PPPs? A prova do pudim é comê-lo!
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