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Quando as ideias morrem antes mesmo de nascer

Por uma flexibilização das normas procedimentais de cooperação público-privada para o recebimento de estudos e projetos


Isadora Cohen

Luísa Dubourcq Santana

Publicado originalmente no JOTA


Com fundamento no artigo 21 da Lei 8.987/1995 e no 3º da Lei 11.079/2004, diversos entes federativos têm regulado os Procedimentos de Manifestação de Interesse (PMI) e a Manifestação de Interesse Privado (MIP), estatuindo regras materiais e procedimentais para o recebimento de estudos e projetos necessários à licitação de obras e serviços de infraestrutura, sobretudo por meio de concessões e parcerias público-privadas.

Em que pese a liberdade atribuída aos entes para a instituição destas normas, via de regra, leis e decretos de MIP e PMI no país seguem uma mesma sistemática: para o PMI, em que a iniciativa parte da Administração Pública, inicia-se o procedimento com a publicação de um edital indicando o objeto dos estudos que o Poder Público pretende receber, ao que se segue prazo para que eventuais interessados demonstrem expertise mínima na matéria e requeiram autorização para o desenvolvimento dos projetos e investigações. Em seguida, a Administração recebe e avalia o conteúdo dos materiais recebidos, podendo valer-se do apoio de consultores externos para esta avaliação, e seleciona aquele(s) estudo(s) que mais se adequa(m) às suas necessidades. Valendo-se a Administração destes materiais para o lançamento de processo licitatório futuro, seu vencedor deverá reembolsar o autor dos estudos, na forma do disposto no edital.

As Manifestações de Interesse Privado seguem lógica semelhante, exceto quanto à sua iniciativa. Em regra, as legislações vigentes no país costumam trazer procedimento segundo o qual o particular interessado em apresentar para a Administração Pública um determinado projeto deve requerer autorização, ao que se segue a publicação de um edital para que outros eventuais interessados também possam, se devidamente qualificados para tanto, desenvolver levantamentos e investigações semelhantes, em sistemática procedimental que muito se assemelha à do PMI.

O resultado deste cenário é uma burocratização excessiva do processo criativo próprio da iniciativa privada, que se vê tolhida em meio a regras procedimentais estanques que em muito se assemelham a um processo licitatório tradicional, com a comprovação de requisitos de “habilitação” e critérios de seleção previamente estabelecidos de forma a incentivar que o maior número possível de interessados apresente estudos.

A burocratização procedimental, que retira o foco do essencial – a obtenção de estudos aprofundados e que se valham de estratégias criativas para o desenvolvimento da infraestrutura no país – acaba se acumulando entre as tantas atribuições da Administração Pública e, de certa forma, desincentiva o particular a contribuir, seja pelo excessivo formalismo que se impõe, seja porque o recebimento de múltiplos estudos compromete o processo de avaliação do Poder Público e aumenta o risco de que estes projetos sejam “engavetados”, dada a complexidade das regras e etapas necessárias até que um estudo se torne um projeto licitado e contratado.

Nesse sentido, a necessária vinculação das MIPs a um burocrático procedimento – quando a Administração Pública sequer sabe se o objeto dos estudos lhe interessa e se coaduna com as políticas públicas que o gestor se propõe a executar – acaba por esvaziar e desincentivar o instituto.

A MIP poderia ser viabilizada por uma simples autorização para o desenvolvimento dos estudos sem quaisquer amarras, sem a obrigação de que outros interessados também possam se manifestar.

Uma vez aprovado o estudo apresentado pelo autorizado – também proponente da MIP -, e caso a Administração Pública deseje transformá-lo em projeto, a licitação pública que necessariamente precisará ser realizada para a contratação do parceiro privado já suprirá a necessidade de competição, consagrando o princípio da moralidade administrativa.

Vale dizer, o procedimento licitatório para a delegação dos serviços já é capaz de, por meio dos requisitos de habilitação e de seleção estatuídos, assegurar a existência de boa e ampla competição para a contratação do parceiro privado encarregado de gerir a pareceria. Além disso, mecanismos prévios à contratação do parceiro, como audiência e consulta públicas, impugnação ao edital, rodadas de market sounding e roadshows também funcionam como elementos de competitividade para assegurar a impessoalidade da contratação futura, de forma que não remanescem quaisquer empecilhos para que a MIP se vincule apenas a uma autorização genérica, individualizada e desvinculada a qualquer procedimento seletivo.

Com isso, consagra-se a competitividade que deve nortear as contratações públicas, sem engessar desnecessariamente os procedimentos administrativos e nem tampouco desincentivar a apresentação de estudos e projetos criativos pela iniciativa privada. Para valer-se de expressão consagrada do ilustre Professor Carlos Ari Sundfeld, em tempos de Direito Administrativo dos Negócios, é preciso ressignificar e reinventar os clips do Poder Público.

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